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Ora, o mais interessante acerca do 28 de Maio foi a adesão quase consensual que ele suscitou então, da esquerda à direita. Para entendermos isto, temos de perceber duas coisas. Primeiro, que ele não deu origem imediatamente ao Estado Novo, mas a um regime que ficou conhecido como Ditadura Militar. Acontece que a ideia de uma ditadura que pusesse termo ao domínio quase ininterrupto do Partido Republicano Português desde 1910 era das mais partilhadas na época. Temos de entender, depois, que a I República nunca foi uma democracia (apesar de lhe preservar a forma), mas correspondeu sobretudo ao exercício do poder por uma classe política que declarou guerra à sociedade tradicional portuguesa e governou com uma mistura explosiva de violência de Estado convencional e violência de rua às mãos de gangs políticos a quem a rédea era deixada solta.
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Nem a Ditadura nem o Estado Novo interromperam a democracia em Portugal. Apenas substituíram um regime terrorista e que nunca conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio por um autoritarismo formalizado, o qual nem sequer impediu grande número de adesões, da esquerda à direita. É por isso que o regime de 1976 herdou dele mais do que julga. Afinal, o 25 de Abril foi feito por soldados com brilhantes carreiras militares e políticas no Estado Novo. José Saramago disse há uns anos que estávamos hoje na mesma situação em que estávamos antes do 25 de Abril. Em certa medida, teve razão. Para quem, em 1974-75, quis instaurar o comunismo, o que existe não pode deixar de ser mais ou menos o mesmo (o "fascismo societal", do prof. Boaventura Sousa Santos). Mas quem atribui valor aos mecanismos formais demo-liberais, percebe como isto que existe é bem melhor, mesmo se não tenha feito completa tábua rasa do que existia e nele tenha em parte a sua origem.
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