Saturday, October 31, 2009
XXXVIII - (Re)Leituras - Conversas com Filósofos Brasileiros, de Marcos Nobre e José Márcio Rego, por André Bandeira
Quando leio este livro, compreendo porque é que Braz Teixeira considera tanto Tobias Barreto de Menezes, um filósofo mameluco (crioulo), nordestino, do Séc. XIX. Barreto testemunhou com a sua vida o que pensou e escreveu. Os filósofos deste livro, todos vivos à data da publicação do livro (2000), certamente que testemunham mas não sei se todos o fazem em relação ao que pensam. Noto com graça o diferendo pessoal entre Giannotti e Ruy Fausto,notando previamente que Giannotti vê na «filosofia brasileira» uma forma de resistência a influências estrangeiras que contradizem a experiência quotidiana do Brasil e a sensibilidade de Ruy Fausto, que é sobretudo um triunfo sobre uma existência épica. Simpatizo muito com a humildade de Leandro Konder, o que há de melhor num alemão tropical, nomeadamente quando dizia que militava com os comunistas, porque era normal, mas achava-os todos esquisitos. Mas de filosofia estamos falados: o mais covincente é mesmo Oswaldo Porchat, com o seu neo-pirronismo, porque sinto nele uma iluminação semperviva, a mesma que sustentará Diógenes de Halicarnasso, em qualquer lugar, em qualquer época. Ao começo, vejo a sombra do padre Lima Vaz e não posso deixar de pensar que também há legitimidade divina no gládio temporal, não apenas no espiritual. Só me resta mesmo Marilena Chauí. Lida aqui e em outras obras,esta filósofa filha de integralistas e que punha muitas perguntas, recebeu muitas respostas.Pediu Ordem e teve-a. A sua interpretação de Espinosa, monumental, só dignifica o filósofo português que viveu numa época sangrenta. Mas o espinosimo, aplicado hoje, é uma laranja mecânica,e revela a democracia como a ditadura do Povo. O drama da libertação pessoal de Espinosa obscurece a responsabilidade pessoal pela sociedade inteira de quem a pessoa, e não a sociedade, é o genótipo.Se, para isso, me despeço do Deus da Bíblia e entro na mistificação cristã, nem por isso me submeto ao gládio do padre Lima Vaz. Marilena continuará indefinidamente, como o Departamento francês ultramarino do Brasil. E fico-me a pensar se o diagnóstico marxista do capitalismo, depois de durar tanto tempo sem aplicar terapêutica de jeito, não será uma mistificação que, além de assassinar inocentes pobres, assassina empresários com princípios que sabem que a sua propriedade é o ganha-pão de muita gente enquanto não chega a Revolução mundial.
XXXVIII - (Re)Leituras - Conversas com Filósofos Brasileiros, de Marcos Nobre e José Márcio Rego, por André Bandeira
Quando leio este livro, compreendo porque é que Braz Teixeira considera tanto Tobias Barreto de Menezes, um filósofo mameluco (crioulo), nordestino, do Séc. XIX. Barreto testemunhou com a sua vida o que pensou e escreveu. Os filósofos deste livro, todos vivos à data da publicação do livro (2000), certamente que testemunham mas não sei se todos o fazem em relação ao que pensam. Noto com graça o diferendo pessoal entre Giannotti e Ruy Fausto,notando previamente que Giannotti vê na «filosofia brasileira» uma forma de resistência a influências estrangeiras que contradizem a experiência quotidiana do Brasil e a sensibilidade de Ruy Fausto, que é sobretudo um triunfo sobre uma existência épica. Simpatizo muito com a humildade de Leandro Konder, o que há de melhor num alemão tropical, nomeadamente quando dizia que militava com os comunistas, porque era normal, mas achava-os todos esquisitos. Mas de filosofia estamos falados: o mais covincente é mesmo Oswaldo Porchat, com o seu neo-pirronismo, porque sinto nele uma iluminação semperviva, a mesma que sustentará Diógenes de Halicarnasso, em qualquer lugar, em qualquer época. Ao começo, vejo a sombra do padre Lima Vaz e não posso deixar de pensar que também há legitimidade divina no gládio temporal, não apenas no espiritual. Só me resta mesmo Marilena Chauí. Lida aqui e em outras obras,esta filósofa filha de integralistas e que punha muitas perguntas, recebeu muitas respostas.Pediu Ordem e teve-a. A sua interpretação de Espinosa, monumental, só dignifica o filósofo português que viveu numa época sangrenta. Mas o espinosimo, aplicado hoje, é uma laranja mecânica,e revela a democracia como a ditadura do Povo. O drama da libertação pessoal de Espinosa obscurece a responsabilidade pessoal pela sociedade inteira de quem a pessoa, e não a sociedade, é o genótipo.Se, para isso, me despeço do Deus da Bíblia e entro na mistificação cristã, nem por isso me submeto ao gládio do padre Lima Vaz. Marilena continuará indefinidamente, como o Departamento francês ultramarino do Brasil. E fico-me a pensar se o diagnóstico marxista do capitalismo, depois de durar tanto tempo sem aplicar terapêutica de jeito, não será uma mistificação que, além de assassinar inocentes pobres, assassina empresários com princípios que sabem que a sua propriedade é o ganha-pão de muita gente enquanto não chega a Revolução mundial.
Thursday, October 29, 2009
Friday, October 23, 2009
XXXVII (Re)leituras - Um «Fausto» de Saramago, por André Bandeira
Li «Cem Anos de solidão». Era um romance maravilhoso a que chamaram de «realismo fantástico». Tendo sido escrito por um homem muito culto e artista, fiquei durante uns tempos a pensar que passara a haver uma forma de falarmos das coisas a direito, sem nos dotarmos, antes, de uma linguagem certificada. Saramago, se calhar, pensou o mesmo. E pensou de tal maneira que achou que podia tratar também a Bíblia como «realismo fantástico». A linguagem antiquíssima da Bíblia passou a ser explícita como um comunicado político ou um anúncio das «Páginas Amarelas» e o que era símbolo passou de realidade fantástica, para uma noite sem dormir. Um pouco como se o que foi escrito nos hieroglifos egípcios fosse título de jornal e a raiva militante nos levasse a crer que, em vez do faraó, estavam a falar do Presidente, ou de mim próprio.Com o tempo, com o escavamento de civilizações mais antigas e o aprofundamento, quer da tecnologia, quer da linguagem dos animais, poderemos talvez tratar como «realismo fantástico», qualquer texto ou comportamento.Alguns textos de Física e Astronomia têm já esse carácter. Mas, aqui, faltam-me as palavras (parece que «neve» é dita de muitos modos por um «esquimó»). Vi também a amostra de debate entre o Padre especialista da Bíblia, Carreira das Neves, e Saramago, para perceber que o Padre, honesto e cortês, não se soube defender. Nesse mesmo dia conheci um missionário católico que trabalha há trinta e três anos numa região longínqua onde muitas pessoas estão mais ou menos condenadas a prazo por uma doença terrível, inclusive ele. Este missionário citou várias vezes a Bíblia e não tinha e-mail.Honestamente, não vou ter tempo para ler «Caim» e Saramago está para a Internet como Júlio Dantas para Almada Negreiros. Mesmo desculpando-se por uma linguagem rude que não o levou a retirar o livros das bancas e corrigi-los,Saramago lembra um Fausto fugindo duma sombra que lhe mostra um pacto assinado a sangue. E, aqui,o vulto cultural de Saramago entra no seu próprio realismo fantástico. Nesse mesmo dia percebi também que o missionário que conheci continuou a escrever a Bíblia, durante trinta e três anos, numa escrita que Saramago pode só vir a entender tarde demais.A escrita era realista.Se havia algo fantástico, era o Silêncio que se impôs a seguir.
XXXVII (Re)leituras - Um «Fausto» de Saramago, por André Bandeira
Li «Cem Anos de solidão». Era um romance maravilhoso a que chamaram de «realismo fantástico». Tendo sido escrito por um homem muito culto e artista, fiquei durante uns tempos a pensar que passara a haver uma forma de falarmos das coisas a direito, sem nos dotarmos, antes, de uma linguagem certificada. Saramago, se calhar, pensou o mesmo. E pensou de tal maneira que achou que podia tratar também a Bíblia como «realismo fantástico». A linguagem antiquíssima da Bíblia passou a ser explícita como um comunicado político ou um anúncio das «Páginas Amarelas» e o que era símbolo passou de realidade fantástica, para uma noite sem dormir. Um pouco como se o que foi escrito nos hieroglifos egípcios fosse título de jornal e a raiva militante nos levasse a crer que, em vez do faraó, estavam a falar do Presidente, ou de mim próprio.Com o tempo, com o escavamento de civilizações mais antigas e o aprofundamento, quer da tecnologia, quer da linguagem dos animais, poderemos talvez tratar como «realismo fantástico», qualquer texto ou comportamento.Alguns textos de Física e Astronomia têm já esse carácter. Mas, aqui, faltam-me as palavras (parece que «neve» é dita de muitos modos por um «esquimó»). Vi também a amostra de debate entre o Padre especialista da Bíblia, Carreira das Neves, e Saramago, para perceber que o Padre, honesto e cortês, não se soube defender. Nesse mesmo dia conheci um missionário católico que trabalha há trinta e três anos numa região longínqua onde muitas pessoas estão mais ou menos condenadas a prazo por uma doença terrível, inclusive ele. Este missionário citou várias vezes a Bíblia e não tinha e-mail.Honestamente, não vou ter tempo para ler «Caim» e Saramago está para a Internet como Júlio Dantas para Almada Negreiros. Mesmo desculpando-se por uma linguagem rude que não o levou a retirar o livros das bancas e corrigi-los,Saramago lembra um Fausto fugindo duma sombra que lhe mostra um pacto assinado a sangue. E, aqui,o vulto cultural de Saramago entra no seu próprio realismo fantástico. Nesse mesmo dia percebi também que o missionário que conheci continuou a escrever a Bíblia, durante trinta e três anos, numa escrita que Saramago pode só vir a entender tarde demais.A escrita era realista.Se havia algo fantástico, era o Silêncio que se impôs a seguir.
Wednesday, October 21, 2009
XXXVI (Re)leituras - A Bíblia, de autor anónimo, por André Bandeira
Veio a primeira neve na Serra da Estrêla, em Portugal.A neve, que é muito branca e pura. E que cai sempre como uma página se enche de letras, ou uma folha branca se enche de traços, os quais -- diz-se -- tentam imitar a Natureza. E volta a escrever-se, cada Inverno.Um dia li a Bíblia numa semana e pouco percebi. Demorei anos, mais tarde, tive de aprender línguas antigas para voltar a ler algumas partes dela e percebê-las. Na verdade, penso tê-las percebido mas há mil maneiras de dizer a mesma coisa como os flocos de neve caiem sobre o chão, sempre de modo diferente e dão sempre a mesma brancura,fonte de luz inesperada quando os nossos olhos pesavam. Gostava de ser Hamish e ler a Bíblia de tal modo que quando entrassem na minha aldeia onde me refugiei, num instante de piedade da Natureza cruel, e começassem a estuprar as minhas crianças inocentes, eu fosse ainda capaz de-- uma vez passada a momentânea tortura -- de recolher esmola para a família das vítimas e para a viúva do assassino. E dizer isso, como a neve cai, santa e pura. Sim, agradeço a Bíblia em que me exercitei a ler, quando já tinha aprendido a ler, nas estrêlas, nos jornais, nos computadores, nos Tratados e nas linhas da mão. Agradeço o Deus vingativo, cruel e de mau carácter que o Homem fez à sua imagem só para que o Homem se pudesse ver como era e os traços negros da imagem se fossem acumulando, subissem no ar e condensassem a neve, que finalmente cai branca e pura.Nem Jesus, de quem alguém disse ter falido, muito antes dos céus se abrirem,pôde deixar de dizer, antes de entrar no enrêdo da Bíblia «Pai, se puderes afastar de mim este cálice...», para concluir, quase sem forças, «Mas faça-se a Tua vontade». Posso imaginar homens antigos, de muitos tempos, urgidos pela Morte que sempre avança nos subúrbios da cidade, tentando arranjar um sentido definido nas palavras que pronunciavam. Sim, é como medir o Universo pelo avanço que o atleta Aquiles dá à tartaruga, ou recordar uma bela noite estrelada de Verão pelos sons de umas anedotas que alguém ainda tenta contar ao fim de uma festa. E, no meio dessa escuridão imensa que começa nos subúrbios da cidade, onde os soldados ainda combatem -- que é uma escuridão apenas porque me pesam as pálpebras ao pensá-la -- a neve volta a cair, branca e pura, como as notas de uma música, os preparativos do pescador, os balidos de uma ovelha nascida de madrugada. E o chão se torna branco, mais uma vez, mesmo se me vem o arrepio da súbita lembrança de alguém que sofre ou está a morrer. Quem diria -- pergunto-me -- que as partículas escuras voando em redemoínho,e subindo no ar, provocariam esta brancura? Bom dia, irmã neve, que nunca te esqueces.
XXXVI (Re)leituras - A Bíblia, de autor anónimo, por André Bandeira
Veio a primeira neve na Serra da Estrêla, em Portugal.A neve, que é muito branca e pura. E que cai sempre como uma página se enche de letras, ou uma folha branca se enche de traços, os quais -- diz-se -- tentam imitar a Natureza. E volta a escrever-se, cada Inverno.Um dia li a Bíblia numa semana e pouco percebi. Demorei anos, mais tarde, tive de aprender línguas antigas para voltar a ler algumas partes dela e percebê-las. Na verdade, penso tê-las percebido mas há mil maneiras de dizer a mesma coisa como os flocos de neve caiem sobre o chão, sempre de modo diferente e dão sempre a mesma brancura,fonte de luz inesperada quando os nossos olhos pesavam. Gostava de ser Hamish e ler a Bíblia de tal modo que quando entrassem na minha aldeia onde me refugiei, num instante de piedade da Natureza cruel, e começassem a estuprar as minhas crianças inocentes, eu fosse ainda capaz de-- uma vez passada a momentânea tortura -- de recolher esmola para a família das vítimas e para a viúva do assassino. E dizer isso, como a neve cai, santa e pura. Sim, agradeço a Bíblia em que me exercitei a ler, quando já tinha aprendido a ler, nas estrêlas, nos jornais, nos computadores, nos Tratados e nas linhas da mão. Agradeço o Deus vingativo, cruel e de mau carácter que o Homem fez à sua imagem só para que o Homem se pudesse ver como era e os traços negros da imagem se fossem acumulando, subissem no ar e condensassem a neve, que finalmente cai branca e pura.Nem Jesus, de quem alguém disse ter falido, muito antes dos céus se abrirem,pôde deixar de dizer, antes de entrar no enrêdo da Bíblia «Pai, se puderes afastar de mim este cálice...», para concluir, quase sem forças, «Mas faça-se a Tua vontade». Posso imaginar homens antigos, de muitos tempos, urgidos pela Morte que sempre avança nos subúrbios da cidade, tentando arranjar um sentido definido nas palavras que pronunciavam. Sim, é como medir o Universo pelo avanço que o atleta Aquiles dá à tartaruga, ou recordar uma bela noite estrelada de Verão pelos sons de umas anedotas que alguém ainda tenta contar ao fim de uma festa. E, no meio dessa escuridão imensa que começa nos subúrbios da cidade, onde os soldados ainda combatem -- que é uma escuridão apenas porque me pesam as pálpebras ao pensá-la -- a neve volta a cair, branca e pura, como as notas de uma música, os preparativos do pescador, os balidos de uma ovelha nascida de madrugada. E o chão se torna branco, mais uma vez, mesmo se me vem o arrepio da súbita lembrança de alguém que sofre ou está a morrer. Quem diria -- pergunto-me -- que as partículas escuras voando em redemoínho,e subindo no ar, provocariam esta brancura? Bom dia, irmã neve, que nunca te esqueces.
Monday, October 19, 2009
XXXV- (Re)leituras - Um Imenso Portugal, de Evaldo Cabral de Mello, por André Bandeira
Eis um livro, composto de artigos de Imprensa, que apontam para tantos horizontes na História, que até parece grosseiro fazer uma recensão. Mesmo assim, o título, voluntariamente tirado a uma canção de Chico Buarque, obriga um ouvido duro a cantarolá-la por distracção a cada página. Cabral de Mello defende que o destino do Nordeste brasileiro, antes e depois de 1640, permitiu um Portugal independente e, este último, por existir, permitiu a independência do Brasil.Depois, diz que o nacionalismo brasileiro apareceu por causa da independência e não ao contrário. Devo dizer que estas estradas profundas num Passado não muito longínquo (afinal, Hobbes e o Estado leviatânico são bem actuais)emergem de repente para dar uma resposta a termos e palavras que se nos impõem como enigmas. Não digo que o livro ande atrás de slogans criados por publicitários, apresentados sob a forma de charadas que nos vemos a resolver, ao guiar o automóvel ou a preparar o pequeno-almoço. Mas noto que certos paradoxos são como cortar a madeira dum lado e do outro da ponta do lápis, até fazê-lo tão aguçado que já não é mais um lápis, tornou-se um espêto.Como o livro, parecendo de História, se transforma num livro de política pura, não é difícil de imaginar uma História de Sherlock Holmes em que o Historiador aparece assassinado sobre a secretária com um lápis enfiado no coração. Como descobrir o culpado? Eliminado os suspeitos. Se Portugal fosse imenso, não seria Portugal, como não é português o «mar sem fim»,pois nem o mar, nem a terra antiga foram alguma vez fechados e os gregos e os romanos arruinaram-se ao querer fechá-los. O nacionalismo brasileiro não é português. A nova História fá-la-ão as pessoas com as suas estórias, mesmo aquelas que vieram de muito longe, tão longe quanto o calendário longo dos Maias e que pareciam aos marinheiros velozes, ilhas paradas na torrente, ou escravos de olhos apáticos. O autor é capaz de concordar comigo quando diz que falta fazer a História do Homem Negro no Brasil.Como viu o Escravo, o Grande Êxodo para Ocidente? Talvez um dia se encontrem os períodos duma «História» espiritual e possamos, enfim, passar a floresta dos vodus e dos feitiços, fazendo pousar finalmente as duas mãos do Cristo redentor, uma sobre a outra.
XXXV- (Re)leituras - Um Imenso Portugal, de Evaldo Cabral de Mello, por André Bandeira
Eis um livro, composto de artigos de Imprensa, que apontam para tantos horizontes na História, que até parece grosseiro fazer uma recensão. Mesmo assim, o título, voluntariamente tirado a uma canção de Chico Buarque, obriga um ouvido duro a cantarolá-la por distracção a cada página. Cabral de Mello defende que o destino do Nordeste brasileiro, antes e depois de 1640, permitiu um Portugal independente e, este último, por existir, permitiu a independência do Brasil.Depois, diz que o nacionalismo brasileiro apareceu por causa da independência e não ao contrário. Devo dizer que estas estradas profundas num Passado não muito longínquo (afinal, Hobbes e o Estado leviatânico são bem actuais)emergem de repente para dar uma resposta a termos e palavras que se nos impõem como enigmas. Não digo que o livro ande atrás de slogans criados por publicitários, apresentados sob a forma de charadas que nos vemos a resolver, ao guiar o automóvel ou a preparar o pequeno-almoço. Mas noto que certos paradoxos são como cortar a madeira dum lado e do outro da ponta do lápis, até fazê-lo tão aguçado que já não é mais um lápis, tornou-se um espêto.Como o livro, parecendo de História, se transforma num livro de política pura, não é difícil de imaginar uma História de Sherlock Holmes em que o Historiador aparece assassinado sobre a secretária com um lápis enfiado no coração. Como descobrir o culpado? Eliminado os suspeitos. Se Portugal fosse imenso, não seria Portugal, como não é português o «mar sem fim»,pois nem o mar, nem a terra antiga foram alguma vez fechados e os gregos e os romanos arruinaram-se ao querer fechá-los. O nacionalismo brasileiro não é português. A nova História fá-la-ão as pessoas com as suas estórias, mesmo aquelas que vieram de muito longe, tão longe quanto o calendário longo dos Maias e que pareciam aos marinheiros velozes, ilhas paradas na torrente, ou escravos de olhos apáticos. O autor é capaz de concordar comigo quando diz que falta fazer a História do Homem Negro no Brasil.Como viu o Escravo, o Grande Êxodo para Ocidente? Talvez um dia se encontrem os períodos duma «História» espiritual e possamos, enfim, passar a floresta dos vodus e dos feitiços, fazendo pousar finalmente as duas mãos do Cristo redentor, uma sobre a outra.
Saturday, October 17, 2009
A Bit of Spotty Bother - 1896 style
I spotted something really bizarre in the short film "A Nightmare"/"Le Cauchemar" from 1896 by Georges Méliès. You can read a summary of this very short film here or here, or watch it on one of the great Georges Méliès DVDs. (I watched it on this one.)
The crazy thing I found is, in the final scene, when we cut back to the original bedroom, Méliès' groin area is hand-blacked out by spotty marks. I am not trying to be a wise guy. You can see it in the last screen grab in this rotten tomatoes review. Here is the photo for convenience:
(click to enlarge)
But it is even more evident when you watch it on DVD, especially if your DVD player has a zoom feature, because the black dots are clearly hand-drawn on every frame—they hop around erratically (almost like they're animated...!). In the prior scene, this character had jumped around acrobatically, and possibly this is where some piece of fabric came loose. They had to do a camera stop where the actor (Georges Méliès himself) froze in position on the bed while the set is changed around him. In the finished film it is jump-cut together so that the background disappears instantly and he is awakened from his nightmare, back in his bedroom.
He is wearing sleeping underclothes, and maybe one of these two scenarios occurred: 1) Out of propriety, an exhibitor from way back when, or someone who owned the film print at some point in history, blacked it out because maybe there was a bulge they found offensive 2) Méliès (or his team) blacked it out on all prints (or the negative) because his flap had accidentally fallen open, leaving him exposed.
If it's the latter, you may ask, why wouldn't they reshoot? If you look at how exactly the match cut is of his body position between these scenes, perhaps this was the preferred solution (the screen grabs here don't show this—you have to watch the film). This is 1896, and Méliès is discovering and mastering new film techniques, and my guess is that replicating this special effect cut may have been daunting compared with simply blacking out the offending region. He had to freeze himself in a very awkward position (legs in the air) in the bed while his crew rearranged the set, until they turned the camera back on.
It was apparently quite hurried because you can see the remnant of the prior "nightmare" set on the right of screen which has not been properly covered up by the new set. Compare the before and after shots below. The bed (looks like a wheelbarrow) is in the exact same position in the frame, and the remnant of the first set is visible on the right side in the second frame grab.


Some film historian should be put to work to answer this important question! For instance, if all the existing film prints have this blacking out, then it likely originates in the negative. But if there is a "clean" print out there, then we can look at what was blacked out and make a guess as to why.
The crazy thing I found is, in the final scene, when we cut back to the original bedroom, Méliès' groin area is hand-blacked out by spotty marks. I am not trying to be a wise guy. You can see it in the last screen grab in this rotten tomatoes review. Here is the photo for convenience:

But it is even more evident when you watch it on DVD, especially if your DVD player has a zoom feature, because the black dots are clearly hand-drawn on every frame—they hop around erratically (almost like they're animated...!). In the prior scene, this character had jumped around acrobatically, and possibly this is where some piece of fabric came loose. They had to do a camera stop where the actor (Georges Méliès himself) froze in position on the bed while the set is changed around him. In the finished film it is jump-cut together so that the background disappears instantly and he is awakened from his nightmare, back in his bedroom.
He is wearing sleeping underclothes, and maybe one of these two scenarios occurred: 1) Out of propriety, an exhibitor from way back when, or someone who owned the film print at some point in history, blacked it out because maybe there was a bulge they found offensive 2) Méliès (or his team) blacked it out on all prints (or the negative) because his flap had accidentally fallen open, leaving him exposed.
If it's the latter, you may ask, why wouldn't they reshoot? If you look at how exactly the match cut is of his body position between these scenes, perhaps this was the preferred solution (the screen grabs here don't show this—you have to watch the film). This is 1896, and Méliès is discovering and mastering new film techniques, and my guess is that replicating this special effect cut may have been daunting compared with simply blacking out the offending region. He had to freeze himself in a very awkward position (legs in the air) in the bed while his crew rearranged the set, until they turned the camera back on.
It was apparently quite hurried because you can see the remnant of the prior "nightmare" set on the right of screen which has not been properly covered up by the new set. Compare the before and after shots below. The bed (looks like a wheelbarrow) is in the exact same position in the frame, and the remnant of the first set is visible on the right side in the second frame grab.


Some film historian should be put to work to answer this important question! For instance, if all the existing film prints have this blacking out, then it likely originates in the negative. But if there is a "clean" print out there, then we can look at what was blacked out and make a guess as to why.
Wednesday, October 14, 2009
XXXIV - (Re)leituras - 1491- New Revelations of the Americas Before Columbus, de Charles C. Mann, por André Bandeira
Depois de ler este livro de 2005, concluo que, se tivesse que dar um primeiro nome ao Género Humano, lhe chamaria «desajeitado». Como eu. Este livro, de um jornalista de Ciência norte-americano, corresponde à moda,aflitiva, entre vários americanos, de se considerarem «índios», contra o resto do Mundo, depois de terem, por distracção ou deliberadamente, massacrado os índios reais.Depois de quase provar que, antes da Civilização mediterrânica, o Novo Mundo era muito mais povoado e histórico, quer dizer, mais velho, o livro faz-se de jovem, dando a entender que muitos dos mistérios a resolver pela humanidade residem nesta ciência nova do novo Mundo. Linguística, Ecologia, Matemática, vieram ao Mundo, no Novo. E o Novo Mundo, apesar de patentear as asneiras de todo o resto da Humanidade, cometeu-as ao mesmo tempo, mas a solo e, por isso, sobreviver-lhes-á. Por exemplo, o moderno conceito de Liberdade foi copiado dos iroqueses do Canadá e levanta a hipótese de que o elo perdido entre as formas mais arcaicas de cultura e as mais modernas, ficou a pairar no corredor americano, da Antártida ao Árctico, como o arco-íris.Enfim, é como redescobrir a Índia por Ocidente -- em vez de a «achar»,como diziam sempre os marinheiros portugueses.No meio de querelas científicas e políticas, o autor faz um bom jornalismo vespertino, em que o dia começa em 1491.Mas ficamos insatisfeitos. Se é verdade que a notícia da História ter acabado, foi exagerada e há muitos mais mundos para além da Democracia ( uma forma de aristocracia das assembleias,baptizada na Grécia), os quais nasceram há milénios e se estão a desenvolver em mundos coexistentes, também é certo que a História é tanta quantas as vidas humanas que a inventam. E, nisto, continuamos num poço a contar pedrinhas,sem rezar.
O livro faz ainda uma manchette: a Amazónia é uma invenção dos índios. Só se formos índios -- o autor hesita -- poderemos salvar as Amazónias do Mundo. Mas não há «índios», nem na Índia e «prêtos»,há alguns olhos, como «brancos», alguns flocos de neve e amarelos alguns girassóis.Há extraterrestres a rodar no meu gira-discos.
O livro faz ainda uma manchette: a Amazónia é uma invenção dos índios. Só se formos índios -- o autor hesita -- poderemos salvar as Amazónias do Mundo. Mas não há «índios», nem na Índia e «prêtos»,há alguns olhos, como «brancos», alguns flocos de neve e amarelos alguns girassóis.Há extraterrestres a rodar no meu gira-discos.
XXXIV - (Re)leituras - 1491- New Revelations of the Americas Before Columbus, de Charles C. Mann, por André Bandeira
Depois de ler este livro de 2005, concluo que, se tivesse que dar um primeiro nome ao Género Humano, lhe chamaria «desajeitado». Como eu. Este livro, de um jornalista de Ciência norte-americano, corresponde à moda,aflitiva, entre vários americanos, de se considerarem «índios», contra o resto do Mundo, depois de terem, por distracção ou deliberadamente, massacrado os índios reais.Depois de quase provar que, antes da Civilização mediterrânica, o Novo Mundo era muito mais povoado e histórico, quer dizer, mais velho, o livro faz-se de jovem, dando a entender que muitos dos mistérios a resolver pela humanidade residem nesta ciência nova do novo Mundo. Linguística, Ecologia, Matemática, vieram ao Mundo, no Novo. E o Novo Mundo, apesar de patentear as asneiras de todo o resto da Humanidade, cometeu-as ao mesmo tempo, mas a solo e, por isso, sobreviver-lhes-á. Por exemplo, o moderno conceito de Liberdade foi copiado dos iroqueses do Canadá e levanta a hipótese de que o elo perdido entre as formas mais arcaicas de cultura e as mais modernas, ficou a pairar no corredor americano, da Antártida ao Árctico, como o arco-íris.Enfim, é como redescobrir a Índia por Ocidente -- em vez de a «achar»,como diziam sempre os marinheiros portugueses.No meio de querelas científicas e políticas, o autor faz um bom jornalismo vespertino, em que o dia começa em 1491.Mas ficamos insatisfeitos. Se é verdade que a notícia da História ter acabado, foi exagerada e há muitos mais mundos para além da Democracia ( uma forma de aristocracia das assembleias,baptizada na Grécia), os quais nasceram há milénios e se estão a desenvolver em mundos coexistentes, também é certo que a História é tanta quantas as vidas humanas que a inventam. E, nisto, continuamos num poço a contar pedrinhas,sem rezar.
O livro faz ainda uma manchette: a Amazónia é uma invenção dos índios. Só se formos índios -- o autor hesita -- poderemos salvar as Amazónias do Mundo. Mas não há «índios», nem na Índia e «prêtos»,há alguns olhos, como «brancos», alguns flocos de neve e amarelos alguns girassóis.Há extraterrestres a rodar no meu gira-discos.
O livro faz ainda uma manchette: a Amazónia é uma invenção dos índios. Só se formos índios -- o autor hesita -- poderemos salvar as Amazónias do Mundo. Mas não há «índios», nem na Índia e «prêtos»,há alguns olhos, como «brancos», alguns flocos de neve e amarelos alguns girassóis.Há extraterrestres a rodar no meu gira-discos.
Il generale della Rovere (1959, Rossellini) - review

Roberto Rossellini can be newly appreciated these days thanks to the appearance of a wide variety of his films on DVD—including several that I think were not available on VHS. He seems to have lagged behind other major directors in getting his work represented on DVD—and still many of his most significant works are not available. I find myself in the position of having neglected him in favor of other directors, such as those of the Nouvelle Vague and the other Italian directors.
One of the films that I can now evaluate is Il generale della Rovere from 1959. This film makes me question what is it that defines art? Because when I compare it to other films by Rossellini, it is much less "overtly artistic", and far more of a traditional narrative. Certainly there can be traditional narratives that are great works of art, but what is it that gives them that special ingredient that rises to the level of art? I am not attempting to answer the question here, just raising it, but I think it has something to do with the high level of craftsmanship of the writer and director primarily, and then I would compare it to what makes great novels rise to the level of art, even when they are traditional narratives, such as Madame Bovary or The Red and the Black. There is a long history of artists reaching a level of communication and beauty in their artistry in every medium, and why should cinema be any different? But it is interesting when you watch a director who is usually more overtly artistic make a film that is a traditional mainstream narrative.
I think here Rossellini shows, to my surprise and confusion, that he can ably direct a normal studio film. I just kept wondering why he was doing it. (You can find the backstory on how he came to direct the film elsewhere.) The subject matter is certainly above average, and from what I've read, was breaking some new ground in terms of representations of World War II subject matter for Italian audiences. It almost rises to the level of art, but I think because Rossellini is so comfortable in a different type of filmmaking (looser in his earlier days, more experimentally minimalist in his later days), the film does not rise to the high level of art one expects, as if he can't quite reach those heights when taking an approach to the medium that is not in his blood.
It should not be a surprise that he can direct a traditional studio narrative, since he directed several before, including Dov'è la Libertà...? in 1954. And if The White Ship, from 1942, is any indication, he was as much of a studio-trained insider as any of the other Italian directors of his generation. (This is another reason I find myself asking, since he already does know how to direct a traditional studio picture, why he made this film.) As studio-type pictures go, I enjoyed Rossellini's Dov'è la Libertà...? more than Il generale. For characters heading towards the gallows, Chaplin's Monsieur Verdoux was far more moving. Chaplin from '47 is surely a far leap from an Italian film from '59, but certain parts where Verdoux is in his cell with his white hair and de Sica is in his cell with his white hair made it hard to suppress comparisons, despite the ridiculously different aims and subjects of the films! But they do both share what is intended as a powerfully moving ending in the same dramatic setting of a prison execution. Perhaps if I had not seen Verdoux, which I considered greatly moving, I would have been more moved by Il generale's ending. Il generale is also similar to other films that I had seen prior, such as Kurosawa's Kagemusha (1980), which was made later, but which I had seen first. (Credit to Isabella Rossellini for pointing out that connection in a video interview.)
I suppose by saying "less overtly artistic," I am comparing Il generale to Viaggio in Italia (1954) most of all. Unlike Godard, Rossellini doesn't call attention to the medium of film itself, so I think I was wrong when I said that earlier. But Viaggio in Italia has a very different feeling to it, one that dispenses with normal plot machinations in favor of the philosophical journey the characters are undergoing, and into which the inquisitive viewer gets deeply drawn and (hopefully) reciprocates with his or her own contemplation on the ideas presented and discussed by the characters. Il generale has entirely traditional plot machinations (not that Rossellini hasn't done this before more than once), but that doesn't mean I can just toss it away as worthless. What is it that can make it great cinema?
If it is reaching heights of poetry that make great cinema—even a dark poetry as is often the case with Rossellini—then Il generale is a lighter success than usual for him. Its ending is moving and perhaps poetic (or maybe one would just call it political or philosophical), but the ending of Germany Year Zero (1948) reaches a height that moves at least this viewer far more deeply. There's something about not fully understanding why a character does something (such as suicide to end that film) that begs to put it in the category of poetry, whereas a moving success of solid storytelling and performance seems to fit into a category more akin to that of great traditional literature or the dramatic arts. I think the difference is made when we fully understand the reasons for the character's heartbreaking demise all along, and we are gut-wrenchingly following them on their journey Those who are more artistically-minded instead tend to praise those films with a poetic angle, where things are only understood either through deeper contemplation, or from a realization of a non-literal reason, or a subtextual reason.
De Sica's own Umberto D. (1952)—let's categorize it as a traditional narrative—moves the viewer to tears with its bittersweet ending. But when a traditional narrative film is able to elicit an extreme height of emotion ,as Umberto does (sometimes this is subjective based on the viewer's state of mind upon entering the cinema), the intellectual/poetic viewer and the traditional narrative/dramatic emotional viewer may meet and enjoy the film at the same level. Perhaps the poetic-minded viewer feels the nuance of emotion has culminated to such a high level that it achieves poetry, and the dramatic emotional viewer is moved emotionally to the heights they demand in what they consider the greatest cinema. (There are probably stronger examples than Umberto D. but I'm blanking now in my haste to write.) But what if, even in Umberto D., there is something in the subtext that elicits that emotion from the poetic/intellectual viewer? I haven't seen it recently enough, so I wonder, because it is a slower film that I think allows time for contemplation of more subtextual issues than the normal traditional narrative film. Perhaps these two types of viewers are enthusiasts of the arts for different reasons, and never do meet. That might explain why some people can sit through the most horrible Hollywood weepy trash and think it is brilliant while others find it false and manipulative because there is no subtlety—only the overt contrived dramatic/emotional machinations draped over a paint-by-numbers traditional plot.
Back to this movie, one of the reasons Il generale della Rovere is worth watching and is an artistic success (if not a staggering one) is because of the very solid treatment of the lead character played by Vittorio de Sica. Both he, the writers, and the director have created a very compelling character, one whose progress we become deeply interested in, and whose transformation at the end is invigorating. We are so deeply pulled into this character's world and he is such a realistic concoction that our interest is completely captured. A comparison to Umberto D. in that regard is not unfounded. After this, I look forward to the drier experimental historical films of Rossellini (experimental in their matter-of-factness of presentation I have heard?) which luckily are also available on DVD, even if his other great works such as Viaggio in Italia, Paisan, Europa '51 and many others still aren't.

Sunday, October 11, 2009
XXXIII - (Re)leituras - A Estrada para Fornovo, de Fernando Lourenço Fernandes, por André Bandeira
Poucos sabem que o Brasil combateu ao lado dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. E que teve cerca de 1900 baixas mortais, entre marinheiros, soldados e civis.O autor, que dedica o livro também ao estudo de «outras guerras», dentro da Segunda Guerra Mundial, relata vários episódios que testemunham a completa ignorância do facto entre os europeus, com a excepção de Portugal, onde o facto é conhecido, também por razões afectivas. O livro relata com bastante objectividade o que foi a Guerra Civil italiana,de 1943 a 1945 (ou até mais tarde) que se desenrolou entre o Norte e o Sul de Itália, afrontando Governos italianos de sinal contrário, que tanto o comando alemão, como o comando aliado, desprezavam. E descreve ainda mais objectivamente a profunda angústia e luta contra o absurdo com que os italianos se viram, de um mês para o outro, transformados em joguetes da geo-política internacional. Ao cabo de se ler o estudo, fica-se com a ideia que dificilmente um povo tratado assim, poderia alguma vez mais falar na cena internacional de coração aberto. No meio disto tudo, os brasileiros, mal-equipados, foram alvo duma possante contra-ofensiva alemã que acabou por dizimar, ao lado, uma Brigada ainda mais mal-preparada, apesar de todas as certificações, a 92ª do Exército norte-americano, por sinal uma brigada de soldados negros, com o corpo de oficiais, branco. Mesmo assim, a Força Expedicionária Brasileira sustentou eficazmente o combate na zona de Modena e Reggio Emilia, a qual viria a ser considerada o «Triângulo Vermelho» da Itália do post-guerra mas que, curiosamente, gerou naquela altura, mesmo sob controlo aliado, um número inaudito de voluntários nas tropas fascistas. No meio desta confusão de dor e vergonha, os soldados brasileiros ficaram conhecidos pelo modo humano como tratavam os prisioneiros.
Lembro-me de um alto funcionário cingalês defender, um dia, a necessidade de militares do Sri Lanka continuarem a morrer em missões internacionais de Paz, por África e recordo-me de todas as tropas do Ultramar que morreram na Segunda Guerra Mundial. Se todas as guerras na Europa têm algo de Guerra civil, não vejo que haja nenhuma vitória em ver o Resto do Mundo, mais tarde ou mais cedo a intervir neste género de vespeiro. Os mouros da «França Livre» ou os argelinos eram duríssimos na guerra de montanha. E a sua crueldade ninguém a esqueceu. As populações italianas,então martirizadas e confusas, em torno de Pistóia, não esquecem ainda hoje a Humanidade das tropas brasileiras, numa Guerra onde o Homem se olhou ao espelho e viu um monstro.Por isso não faltam razões de orgulho para as Forças Armadas Brasileiras.
Lembro-me de um alto funcionário cingalês defender, um dia, a necessidade de militares do Sri Lanka continuarem a morrer em missões internacionais de Paz, por África e recordo-me de todas as tropas do Ultramar que morreram na Segunda Guerra Mundial. Se todas as guerras na Europa têm algo de Guerra civil, não vejo que haja nenhuma vitória em ver o Resto do Mundo, mais tarde ou mais cedo a intervir neste género de vespeiro. Os mouros da «França Livre» ou os argelinos eram duríssimos na guerra de montanha. E a sua crueldade ninguém a esqueceu. As populações italianas,então martirizadas e confusas, em torno de Pistóia, não esquecem ainda hoje a Humanidade das tropas brasileiras, numa Guerra onde o Homem se olhou ao espelho e viu um monstro.Por isso não faltam razões de orgulho para as Forças Armadas Brasileiras.
XXXIII - (Re)leituras - A Estrada para Fornovo, de Fernando Lourenço Fernandes, por André Bandeira
Poucos sabem que o Brasil combateu ao lado dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. E que teve cerca de 1900 baixas mortais, entre marinheiros, soldados e civis.O autor, que dedica o livro também ao estudo de «outras guerras», dentro da Segunda Guerra Mundial, relata vários episódios que testemunham a completa ignorância do facto entre os europeus, com a excepção de Portugal, onde o facto é conhecido, também por razões afectivas. O livro relata com bastante objectividade o que foi a Guerra Civil italiana,de 1943 a 1945 (ou até mais tarde) que se desenrolou entre o Norte e o Sul de Itália, afrontando Governos italianos de sinal contrário, que tanto o comando alemão, como o comando aliado, desprezavam. E descreve ainda mais objectivamente a profunda angústia e luta contra o absurdo com que os italianos se viram, de um mês para o outro, transformados em joguetes da geo-política internacional. Ao cabo de se ler o estudo, fica-se com a ideia que dificilmente um povo tratado assim, poderia alguma vez mais falar na cena internacional de coração aberto. No meio disto tudo, os brasileiros, mal-equipados, foram alvo duma possante contra-ofensiva alemã que acabou por dizimar, ao lado, uma Brigada ainda mais mal-preparada, apesar de todas as certificações, a 92ª do Exército norte-americano, por sinal uma brigada de soldados negros, com o corpo de oficiais, branco. Mesmo assim, a Força Expedicionária Brasileira sustentou eficazmente o combate na zona de Modena e Reggio Emilia, a qual viria a ser considerada o «Triângulo Vermelho» da Itália do post-guerra mas que, curiosamente, gerou naquela altura, mesmo sob controlo aliado, um número inaudito de voluntários nas tropas fascistas. No meio desta confusão de dor e vergonha, os soldados brasileiros ficaram conhecidos pelo modo humano como tratavam os prisioneiros.
Lembro-me de um alto funcionário cingalês defender, um dia, a necessidade de militares do Sri Lanka continuarem a morrer em missões internacionais de Paz, por África e recordo-me de todas as tropas do Ultramar que morreram na Segunda Guerra Mundial. Se todas as guerras na Europa têm algo de Guerra civil, não vejo que haja nenhuma vitória em ver o Resto do Mundo, mais tarde ou mais cedo a intervir neste género de vespeiro. Os mouros da «França Livre» ou os argelinos eram duríssimos na guerra de montanha. E a sua crueldade ninguém a esqueceu. As populações italianas,então martirizadas e confusas, em torno de Pistóia, não esquecem ainda hoje a Humanidade das tropas brasileiras, numa Guerra onde o Homem se olhou ao espelho e viu um monstro.Por isso não faltam razões de orgulho para as Forças Armadas Brasileiras.
Lembro-me de um alto funcionário cingalês defender, um dia, a necessidade de militares do Sri Lanka continuarem a morrer em missões internacionais de Paz, por África e recordo-me de todas as tropas do Ultramar que morreram na Segunda Guerra Mundial. Se todas as guerras na Europa têm algo de Guerra civil, não vejo que haja nenhuma vitória em ver o Resto do Mundo, mais tarde ou mais cedo a intervir neste género de vespeiro. Os mouros da «França Livre» ou os argelinos eram duríssimos na guerra de montanha. E a sua crueldade ninguém a esqueceu. As populações italianas,então martirizadas e confusas, em torno de Pistóia, não esquecem ainda hoje a Humanidade das tropas brasileiras, numa Guerra onde o Homem se olhou ao espelho e viu um monstro.Por isso não faltam razões de orgulho para as Forças Armadas Brasileiras.
Thursday, October 8, 2009
Monday, October 5, 2009
XXXII - (Re)leituras - Povo que lavas no rio, de Amália Rodrigues, por André Bandeira
Amália morreu a 6 de Outubro. Depois dos seus bens terem sido descongelados, sabe-se que apenas deixou cerca de 500.000 Euros, os quais terão de ser bem geridos para realizar os sonhos da Fundação com o nome da cantora. Amália não era assim tão rica, não era assim tão símbolo do Estado Novo, não era assim tão esperta, não era assim tão Mulherão, não era assim tão estrangeirada, etc. Mas algo que ela era «muito assim», era uma grande cantora, de um género de música que se canta com poucos instrumentos musicais, sobretudo numa cidade que tem muitas raízes mediterrânicas mas que é a capital de um país atlântico. Se dissessem a Amália que Portugal ia acabar, que qualquer das suas bandeiras desapareceria para se unir com uma bandeira representando um outro espaço, do qual Portugal era apenas uma parte, que Portugal abdicaria de ter um Hino próprio e até da sua Língua, que haveria ela de pensar? Penso que ela, que começara como pequena vendedeira num cais onde desembarcava gente de todo o Mundo, já tinha exprimido o que sentiria, nas suas canções:«Povo que lavas no rio/Que talhas com o teu machado/As tábuas do meu caixão.Pode haver quem te defenda/Quem compre teu chão sagrado/Mas a tua vida não». Não faltará quem defenda o povo, quem compre o seu chão antigo porque, em Economia, os bens mudam de mãos. Mas a vida desse Povo não se compra, nem pode ser defendida por alguém de fora. Uma vida que se defende a si mesma, com um coração independente, «foi por vontade de Deus», que teve de viver assim, «sempre, nesta ansiedade». E é esse Povo que só se pode defender a si próprio, aquele que talha o caixão de quem toma consciência dele. Como se, por trás de todas as bandeiras de Portugal, adejasse o recorte dum buraco na terra, ou um pedregulho caindo no Mar, uma bandeira negra, um xaile e uma capa esfarrapadas. «Barco Negro/Dançava na Luz», diz outro Fado de Amália. Posso imaginar um cavaleiro do Norte que chega a uma cidade, onde uma mulher imóvel, vestida de negro, canta qualquer coisa, rodeada de músicos solenes e contidos, como se proclamasse um ultraje. Mesmo sem compreender, esse cavaleiro deter-se-á a ouvi-la, como se houvesse realmente um ultraje qualquer, irónico e firme, que é reparado no pregão. Penso que Amália, que tinha gestos espontâneos de dar dinheiro sem contar, a pessoas totalmente desamparadas, certamente que sairia do cortejo para dar tudo a esse Povo que arqueja por continuar a existir, como um Rei abraçado ao mastro de todas as suas bandeiras esfarrapadas.
XXXII - (Re)leituras - Povo que lavas no rio, de Amália Rodrigues, por André Bandeira
Amália morreu a 6 de Outubro. Depois dos seus bens terem sido descongelados, sabe-se que apenas deixou cerca de 500.000 Euros, os quais terão de ser bem geridos para realizar os sonhos da Fundação com o nome da cantora. Amália não era assim tão rica, não era assim tão símbolo do Estado Novo, não era assim tão esperta, não era assim tão Mulherão, não era assim tão estrangeirada, etc. Mas algo que ela era «muito assim», era uma grande cantora, de um género de música que se canta com poucos instrumentos musicais, sobretudo numa cidade que tem muitas raízes mediterrânicas mas que é a capital de um país atlântico. Se dissessem a Amália que Portugal ia acabar, que qualquer das suas bandeiras desapareceria para se unir com uma bandeira representando um outro espaço, do qual Portugal era apenas uma parte, que Portugal abdicaria de ter um Hino próprio e até da sua Língua, que haveria ela de pensar? Penso que ela, que começara como pequena vendedeira num cais onde desembarcava gente de todo o Mundo, já tinha exprimido o que sentiria, nas suas canções:«Povo que lavas no rio/Que talhas com o teu machado/As tábuas do meu caixão.Pode haver quem te defenda/Quem compre teu chão sagrado/Mas a tua vida não». Não faltará quem defenda o povo, quem compre o seu chão antigo porque, em Economia, os bens mudam de mãos. Mas a vida desse Povo não se compra, nem pode ser defendida por alguém de fora. Uma vida que se defende a si mesma, com um coração independente, «foi por vontade de Deus», que teve de viver assim, «sempre, nesta ansiedade». E é esse Povo que só se pode defender a si próprio, aquele que talha o caixão de quem toma consciência dele. Como se, por trás de todas as bandeiras de Portugal, adejasse o recorte dum buraco na terra, ou um pedregulho caindo no Mar, uma bandeira negra, um xaile e uma capa esfarrapadas. «Barco Negro/Dançava na Luz», diz outro Fado de Amália. Posso imaginar um cavaleiro do Norte que chega a uma cidade, onde uma mulher imóvel, vestida de negro, canta qualquer coisa, rodeada de músicos solenes e contidos, como se proclamasse um ultraje. Mesmo sem compreender, esse cavaleiro deter-se-á a ouvi-la, como se houvesse realmente um ultraje qualquer, irónico e firme, que é reparado no pregão. Penso que Amália, que tinha gestos espontâneos de dar dinheiro sem contar, a pessoas totalmente desamparadas, certamente que sairia do cortejo para dar tudo a esse Povo que arqueja por continuar a existir, como um Rei abraçado ao mastro de todas as suas bandeiras esfarrapadas.
Empire of Passion (1978, Oshima) - Review
This was not a great Oshima film. It is a straightforward story and only has brief moments that begin to approach “transcendent madness.” It is not long enough or weird enough to invite deep thought about anything besides the basic story, a disappointment in an art film. (Or I could consider it a success if I was hanging on every subtle beat of the unfolding story and performances, as with great novelistic films.) The movie seems to invite deeper contemplation when Seki bites Toyoji's hand and things get slightly weird, but it then seems to leave that aside and not explore pain/sex in the way Oshima has before (in In the Realm of the Senses (1976) and a little bit in The Pleasures of the Flesh (1965)). It then moves along to the conclusion in a fully engaging way, but it doesn't have a big emotional or intellectual payoff. It's a nicely done, slightly poetic end to the story.
Probably some digging into symbols, like Seki being blinded, may lead somewhere, but I'm not sure. It crossed my mind that possibly the film is a fantastical realization of what Oshima or the writer think is happening psychologically when two lovers cuckold a woman's husband. But there are too many stories where the lovers actually do kill the husband (and in real life) for it to bear fruit as a cinematic realization of subconscious underpinnings. If it was intended as a beautiful and extravagant fantasy of love, intense sexual love, or doomed lovers, it's too restrained to flower into something truly moving, and compared to In the Realm of the Senses, the intensity level is low. Another metaphor that could bear investigation is the well, which I also thought about as an external narrative depiction of internal confrontations—as if when you cheat you toss the lover down the well and are constantly trying to forget him, but then you have to keep tossing leaves down there to cover him up, and find yourself periodically drawn back to the well. Even as I say it, it sounds silly, so I'm skeptical that this was their intention. (The film's basic scenario—and not anything in the filming itself—has very similar elements to Poe's "The Tell-Tale Heart" and James M. Cain's The Postman Always Rings Twice.)
I wish I had seen In the Realm of the Senses more recently, but my memory is that it was a deeply engaging shock of a movie, where you were fully enveloped in the mad, explorative passion of the two lovers, which culminates in its disturbing climax. Even though my memory is vague, I think Empire of Passion suffers in comparison, especially since it treads on some similar subject matter—as if Oshima
was in the Hollywood studio system, being forced to do a sequel. A quick perusal of his filmography on IMDB shows that he was stuck (if I may presume) in television for about six years before the breakout success of In the Realm of the Senses. Perhaps he was desperate to stay in the theatrical filmmaking game, regardless of how similar the narrative territory was. I believe the older, pre-Criterion DVD was titled In the Realm of Passion, and a look at the Japanese words show that this is probably the more accurate title. (I will have to investigate Oshima's TV period because he may have been there willingly, like Rossellini.)
I find myself favoring early Oshima (first five or seven years perhaps), having had a similar lukewarm response to Taboo (1999) when it came out. His earlier films seem more radical in content and form. As horror or fantasy featuring ghostly apparitions (at least of the Japanese variety), this film does not bear up well in comparison to Kaidan (1964, Kobayashi), for example.

I wish I had seen In the Realm of the Senses more recently, but my memory is that it was a deeply engaging shock of a movie, where you were fully enveloped in the mad, explorative passion of the two lovers, which culminates in its disturbing climax. Even though my memory is vague, I think Empire of Passion suffers in comparison, especially since it treads on some similar subject matter—as if Oshima

I find myself favoring early Oshima (first five or seven years perhaps), having had a similar lukewarm response to Taboo (1999) when it came out. His earlier films seem more radical in content and form. As horror or fantasy featuring ghostly apparitions (at least of the Japanese variety), this film does not bear up well in comparison to Kaidan (1964, Kobayashi), for example.

Saturday, October 3, 2009
XXXI - (Re)leituras: How the Irish Saved Civilization, de Thomas Cahill, por André Bandeira
Esta obra de 1996, com o subtítulo do papel heróico dos irlandeses desde a Idade Média até aos nossos dias, defende a tese curiosa de que não haveria Renascimento se o Monges irlandeses não tivessem continuado a cultivar a civilização greco-romana ao longo de todas as invasões bárbaras. Embora passassem, a partir de certa altura, a ser pilhados e mortos pelos vikings e pelos anglo-saxões, os irlandeses nunca foram invadidos pelos bárbaros, tendo finalmente repelido a invasão normanda,na batalha de Clontaft. Diz-se que, em tempos de total isolamento, subiram a parada, e passaram mesmo a falar uma forma de latim ainda mais exigente e refinada, continuando assim aquilo que no Império Romano do Oriente, de Justiniano, ia asfixiando num território cada vez mais estreito. Nomes como João Escoto Eriúgena conseguiram passar intacta a tradição platónica que reemergiu também no Franciscanismo espiritual. Quer dizer:na Irlanda, a Idade Média não se interpôs entre a Antiguidade e a Modernidade. O livro dá também um papel de relevo importante ao congregacionismo irlandês nos EUA dos Sécs. XIX e XX, entre os colonos calvinistas e todo o resto.Quando Nova York se fazia nas ruas, à navalhada e ao cacete, o «Paddy» irlandês, conhecendo toda a gente no bairro e manejando bem um cajado curto, era um elemento mais gregário que a Polícia e menos desagregador que o mafioso.
Não sei se a Tese é ou não uma vaidade de um filho de imigrantes irlandeses nos EUA mas recordo-me deste livro num dia em que o Povo irlandês se voltou a dividir, de um modo diferente daquele com que se dividiu há um ano. E digo para mim que há algo de estranho naquela terra verde que faz com que nenhuma espécie de serpente se tenha desenvolvido naturalmente na ilha. Seja o que o Povo irlandês decidir, tenho a certeza que ele guardará algo do nosso sonho, sempre. E que, quando for necessário, Michael Collins voltará a levantar-se numa praça brumosa, acordando as pessoas com a sua voz misto de mel e de cana-rachada, coma a sua imprudência de bêbedo insubmisso e a sua luz de chama verde, verde dum fogo tímido, mas que até debaixo de água, da água cinzenta dos dias de trabalhos e desemprego, se incendeia sem explicação. Como se houvesse uma Primavera algures, que ficou ardendo independente, no coração de povos dispersos e submetidos pela mesma cinzentura da estepe.
Não sei se a Tese é ou não uma vaidade de um filho de imigrantes irlandeses nos EUA mas recordo-me deste livro num dia em que o Povo irlandês se voltou a dividir, de um modo diferente daquele com que se dividiu há um ano. E digo para mim que há algo de estranho naquela terra verde que faz com que nenhuma espécie de serpente se tenha desenvolvido naturalmente na ilha. Seja o que o Povo irlandês decidir, tenho a certeza que ele guardará algo do nosso sonho, sempre. E que, quando for necessário, Michael Collins voltará a levantar-se numa praça brumosa, acordando as pessoas com a sua voz misto de mel e de cana-rachada, coma a sua imprudência de bêbedo insubmisso e a sua luz de chama verde, verde dum fogo tímido, mas que até debaixo de água, da água cinzenta dos dias de trabalhos e desemprego, se incendeia sem explicação. Como se houvesse uma Primavera algures, que ficou ardendo independente, no coração de povos dispersos e submetidos pela mesma cinzentura da estepe.
XXXI - (Re)leituras: How the Irish Saved Civilization, de Thomas Cahill, por André Bandeira
Esta obra de 1996, com o subtítulo do papel heróico dos irlandeses desde a Idade Média até aos nossos dias, defende a tese curiosa de que não haveria Renascimento se o Monges irlandeses não tivessem continuado a cultivar a civilização greco-romana ao longo de todas as invasões bárbaras. Embora passassem, a partir de certa altura, a ser pilhados e mortos pelos vikings e pelos anglo-saxões, os irlandeses nunca foram invadidos pelos bárbaros, tendo finalmente repelido a invasão normanda,na batalha de Clontaft. Diz-se que, em tempos de total isolamento, subiram a parada, e passaram mesmo a falar uma forma de latim ainda mais exigente e refinada, continuando assim aquilo que no Império Romano do Oriente, de Justiniano, ia asfixiando num território cada vez mais estreito. Nomes como João Escoto Eriúgena conseguiram passar intacta a tradição platónica que reemergiu também no Franciscanismo espiritual. Quer dizer:na Irlanda, a Idade Média não se interpôs entre a Antiguidade e a Modernidade. O livro dá também um papel de relevo importante ao congregacionismo irlandês nos EUA dos Sécs. XIX e XX, entre os colonos calvinistas e todo o resto.Quando Nova York se fazia nas ruas, à navalhada e ao cacete, o «Paddy» irlandês, conhecendo toda a gente no bairro e manejando bem um cajado curto, era um elemento mais gregário que a Polícia e menos desagregador que o mafioso.
Não sei se a Tese é ou não uma vaidade de um filho de imigrantes irlandeses nos EUA mas recordo-me deste livro num dia em que o Povo irlandês se voltou a dividir, de um modo diferente daquele com que se dividiu há um ano. E digo para mim que há algo de estranho naquela terra verde que faz com que nenhuma espécie de serpente se tenha desenvolvido naturalmente na ilha. Seja o que o Povo irlandês decidir, tenho a certeza que ele guardará algo do nosso sonho, sempre. E que, quando for necessário, Michael Collins voltará a levantar-se numa praça brumosa, acordando as pessoas com a sua voz misto de mel e de cana-rachada, coma a sua imprudência de bêbedo insubmisso e a sua luz de chama verde, verde dum fogo tímido, mas que até debaixo de água, da água cinzenta dos dias de trabalhos e desemprego, se incendeia sem explicação. Como se houvesse uma Primavera algures, que ficou ardendo independente, no coração de povos dispersos e submetidos pela mesma cinzentura da estepe.
Não sei se a Tese é ou não uma vaidade de um filho de imigrantes irlandeses nos EUA mas recordo-me deste livro num dia em que o Povo irlandês se voltou a dividir, de um modo diferente daquele com que se dividiu há um ano. E digo para mim que há algo de estranho naquela terra verde que faz com que nenhuma espécie de serpente se tenha desenvolvido naturalmente na ilha. Seja o que o Povo irlandês decidir, tenho a certeza que ele guardará algo do nosso sonho, sempre. E que, quando for necessário, Michael Collins voltará a levantar-se numa praça brumosa, acordando as pessoas com a sua voz misto de mel e de cana-rachada, coma a sua imprudência de bêbedo insubmisso e a sua luz de chama verde, verde dum fogo tímido, mas que até debaixo de água, da água cinzenta dos dias de trabalhos e desemprego, se incendeia sem explicação. Como se houvesse uma Primavera algures, que ficou ardendo independente, no coração de povos dispersos e submetidos pela mesma cinzentura da estepe.
Friday, October 2, 2009
Thunder Over the Plains (1953, de Toth) - A Dreary Western

Thunder Over the Plains (1953) is a truly dreary western from the usually estimable André de Toth. It features immaculate John Alton-like lighting from Bert Glennon who seems to bring a noir sensibility to Westerns (he did similar things in Felix Feist's Man Behind the Gun), and Citizen Kane-like framings which I'll attribute to de Toth.
The dreary comes from the very un-engrossing plot and, while the characters are developed moderately well, it is just a motley crew ripe for delivering boredom. None is given quite enough of a drive or a reason, and the conflict is lacking, making the whole film dull. I think a Screenwriting 101 teacher ought to have a field day with this one. A pretty great director directs the pants off this weak script but the problems must have been there on the page and should have been addressed before shooting.
The weakness starts right from the beginning, with an omniscient narrator and ostensibly tense scenes that unfurl before us with characters we don't yet care about. This is not an uncommon problem in omniscient narrator films, and this one has a historical bent which probably adds to the stodginess. The most important problem is Ben Westman, the character played by Charles McGraw. McGraw can't do much here—his character has no passion. He's supposed to be the Robin Hood fighting against the evil carpetbaggers, and Randolph Scott is the "hero" supposed to bring him in. On paper it might seem like a great struggle between two conflicted characters, but McGraw's raison d'être is thinly drawn.
I wonder if there was any McCarthy angle to this one that might explain its dreariness-- if there was an ulterior motive behind the picture that put traditional plot clashes on the back burner. In any case, the result is not fun to watch.
I've rarely watched a film so beautifully lit, directed (and to some extent acted) that was so painfully unwatchable. A lesson that just beautiful images alone can't carry a movie. This also reminds me that something must be going on in seemingly plotless masterpieces like Last Year at Marienbad to hold our attention that could be worth analyzing (for film or screenwriting students at least).

Note: Originally written 07/10/09 but delayed posting due to procrastination of rewriting! This is a pretty messy draft but now the movie is too faded from memory to refine this.
Nagisa Oshima Re-emerging (Slowly)
Nagisa Oshima is one of many under-represented filmmakers on U.S. DVD. Criterion throws us a little help by releasing In the Realm of the Senses and Empire of Passion, but where are the other masterworks by this giant of cinema? As Godard (or Truffaut perhaps) is to the French New Wave, so Nagisa Oshima is to the Japanese New Wave. I had the good fortune to see several of his films via other-region DVDs and Los Angeles-area screenings and sorely wish all his films were easier to see.
(These three pictures from Night and Fog in Japan (1960) should serve as a hint as to where distributors should start!!)

Note: Originally written 03/11/09 but delayed posting due to procrastination of plans to elaborate the entry!

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